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Resenha de O Capitão Saiu Para o Almoço e Os Marinheiros Tomaram Conta do Navio

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Já comentei nessa lista de livros sobre Charles Bukowski que eu conheci o autor durante a época da faculdade de Jornalismo. Li principalmente os seus romances, envolvendo o alter ego Henry Chinaski, e algumas de suas obras de contos. Toda essa leitura foi minha companheira durante a Universidade, já que o autor possui mais de 45 livros publicados (no Brasil, nem todos foram traduzidos e a sua maioria foi impressa pela L & PM Pocket). Já havia me separado há alguns bons anos de sua obra (você sabe como é… vida vai, vida vem), até que resolvi reler e fazer uma resenha de O Capitão Saiu Para o Almoço e Os Marinheiros Tomaram Conta do Navio.

Diferentemente dos outros livros mais populares do Velho Buk, nessa obra temos um apanhado de memórias, uma coletânea de trechos do diário pessoal do autor escritos entre 1991 e 1993, pouco antes da morte do nosso sábio bêbado e escolhidos a dedo por ele. Assim, o livro é apresentado em primeira pessoa, com capítulos curtos e linguagem simples. 

Em comum com os outros livros, ainda podemos citar a marginalidade, o submundo, o álcool e as apostas em cavalos. 

Ao que parece, Bukowski estava, naquele período, trabalhando em seu último romance Pulp – que, em sua própria visão apresentada em O Capitão Saiu Para o Almoço e Os Marinheiros Tomaram Conta do Navio seria o melhor de seus livros (ainda não li essa obra especificamente, mas pela propaganda feita pelo próprio autor no livro, serei obrigado, rsrs). 

Por ser um diário no qual poderemos conhecer mais a fundo os pensamentos de Buk, não recomendo que seja o primeiro livro a ser lido do autor. Se esse for o seu caso, recomendo que a leitura do autor inicie-se por Misto Quente, em que são apresentadas a infância e adolescência do alter ego Henry Chinaski – personagem que poderemos acompanhar em várias obras. 

Além disso, não espere encontrar uma história em si bem desenvolvida. O livro é cheio de ideias desconexas, rotina algumas vezes enfadonha, cinismo, nostalgia, gatos, música clássica, hipódromos, a relação com seu novo computador que substituíra a máquina de escrever e a própria escrita. 

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O Cotidiano de Bukowski Septuagenário

Às vezes enfadonho, o dia a dia de Bukowski nos seus 70 anos apresenta uma trivialidade perceptível. 

Normalmente reconhecido por sua escrita ágil e dura dos personagens, nesses livros somos apresentados ao seu cotidiano, aos seus pensamentos sobre o processo de escrita e sobre outros escritores, assédio dos fãs e jornalistas e sua relação com outros apostadores de cavalos. Ou seja, puramente ele mesmo. Adicione-se a isso o peso da idade e a sensação de que o fim está próximo após uma vida inteira de extravagâncias. A rotina, repetitiva, faz ele questionar-se algumas vezes no livro, como no trecho abaixo: 

“Às vezes, me sinto como se estivéssemos todos presos num filme. Sabemos nossas falas, onde caminhar, como atuar, só que não há uma câmera. No entanto, não conseguimos sair do filme. E é um filme ruim” (página 69). 

Ou seja, o Velho Buk percebia o ciclo em que estava inserido, mas acreditava que era incapaz de escapar dele. 

O Hipódromo

No livro, Bukowski ainda frequenta o turfe quase diariamente. Aqui temos uma demonstração bem clara de uma coisas que já não traz mais alegria ao escritor, mas que ele não consegue escapar. Durante seus dias no hipódromo ele se senta, observa as outras pessoas e espera que ninguém se aproxime dele (já que ele ressalta várias vezes a sua dificuldade de se relacionar com os outros). 

O pessimismo reina na sua perspectiva do mundo, com um cinismo e uma ironia escancarados. Sua fanfarronice e glória já são coisas do passado, pois não enxerga mais como boas as memórias de seus perrengues insanos.  

Em determinado momento, por exemplo, ao se deparar com um amigo que afirma que o importante não é ganhar ou perder, Bukowski discorda e afirma que não era assim. 

“Estive nas Filas de Sopa dos Indigentes por vezes demais. Não ter dinheiro nenhum só tem uma leve pincelada de romantismo quando você é muito jovem” (página 55). 

Ou seja, ganhar ainda era imprescindível para o autor e ele, a esse ponto da vida, já abandonara o “glamour” compartilhado por ele mesmo em outras épocas, mas também por alguns outros escritores da contracultura de se viver com pouco dinheiro.  

A Relação Com Outros Escritores e Bajuladores

Esse é um ponto que não pode ficar de fora em uma resenha de O Capitão Saiu Para o Almoço e Os Marinheiros Tomaram Conta do Navio – A relação com outros escritores, notadamente os poetas. 

Nesse ponto da obra é que a sua escrita irônica atinge o ápice. 

Veja, mesmo sendo provavelmente o poeta mais bem sucedido dos EUA, Bukowski sempre teve que produzir contos e romances juntamente com seus versos, visto que a poesia é um gênero não tão consumido quanto os outros. 

Por ter se tornado o poeta destaque da América, Bukowski passa a ser cercado por bajuladores que mal produzem e que claramente não poderiam viver, naquele momento, da sua arte. 

Sua busca passa a ser como que aqueles caras viviam, como pode ser observado no trecho abaixo: 

“Entre 1970 e 1974, quando decidi ficar em um lugar e escrever ou morrer, os escritores vinham aqui, todos poetas. POETAS. E descobri uma coisa curiosa: nenhum deles tinha qualquer meio visível de sustento. Mas todos viviam em apartamentos razoavelmente bons e pareciam ter tempo de sobra para sentar no meu sofá e beber a minha cerveja” (páginas 89). 

Ao longo do capítulo, Bukowski continua dizendo que: 

“Estava ficando claro para mim que eu teria que me livrar desses bajuladores molengas. E, gradualmente, descobri seu segredo, um a um. Na maioria das vezes, nos bastidores, bem escondida, estava a MÃE. A mãe tomava conta destes gênios, pagava o aluguel, a comida e as roupas” (página 90). 

Por fim, o escritor também relata o assédio de fãs que se apresentam sob os mais variados pretextos e argumentos inacreditáveis. Ora são “jornalistas” que nunca entregam seus artigos, ora são “fotógrafos” que roubam o tempo, mas que nunca publicaram uma foto sequer. 

“As pessoas usam o truque da entrevista para entrar pela minha porta. E como geralmente não pagam por uma entrevista, qualquer um pode chegar e bater na porta com um gravador e uma lista de perguntas. (…)  Este ano também foi bom porque mantive os visitantes afastados, mais do que nunca. Só fui enganado uma vez”. (página 62). 

Os Gatos e A Relação Com a Própria Escrita

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Para quem não conhece as histórias prévias de Bukowski é importante ressaltar: ele é um fã de gatos

Uma das cenas mais icônicas desse livro é no momento em que o Velho Buk vê seu computador pifar e acredita que seja um vírus. Na verdade, era urina de gato que entrou na máquina e a fez parar de funcionar. 

Em seu diário, ele os menciona várias vezes como a sua companhia noturna enquanto ele escreve seu novo romance em seu computador e, de certa forma, os inveja, já que eles duram 20 horas por dia e só se preocupam com comida. 

Em meio ao seu processo de escrita, ele filosofa sobre os perigos enfrentados pelo próprio sucesso:

“A criatividade da maioria dos escritores têm vida curta. Ouvem os elogios e acreditam neles. Há apenas um juiz final do que foi escrito, que é o escritor. Quando é influenciado pelos críticos, editores, leitores, está acabado. E, é claro, quando for influenciado por sua fama e sua fortuna, você pode mandá-lo flutuando rio abaixo” (página 28). 

A Crítica a Shakespeare

O sábio bêbado escolheu uma frase incrivelmente polêmica para encerrar seu livro, criticando, no mesmo parágrafo, Shakespeare e Tolstói. 

“Lembro de uma carta longa e furiosa que recebi um dia de um cara que me disse que eu não tinha o direito de dizer que não gostava de Shakespeare. Muitos jovens iam acreditar em mim e não se dariam ao trabalho de ler Shakespeare. Eu não tinha o direito de tomar essa posição. E assim por diante. Não respondi na época. Mas vou responder agora. Vá se F*der, colega. E eu não gosto também de Tolstói” (página 150). 

Conclusão

Chegamos ao fim da nossa resenha de O Capitão Saiu Para o Almoço e Os Marinheiros Tomaram Conta do Navio. 

Após alguns anos afastado das leituras de Bukowski, me senti bem em reler esse livro póstumo.  Gostei dos momentos em que ele descreve seus esforços para escrever Pulp como uma luta diária. 

Também é interessante o cinismo com que está enfrentando o fim da sua vida. 

Não é meu livro favorito do autor e não deve ser sua primeira escolha para começar a lê-lo, mas é interessante para quem já tem intimidade com a sua obra. Fornece informações curiosas sobre os seus últimos anos de vida e suas provações cotidianas. 

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Foto: Commonurbock23CC BY 3.0, via Wikimedia Commons

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