Livro Eu, Travesti: Memórias de Luísa Marilac [Resenha]

A resenha de hoje é sobre o livro Eu, Travesti: Memórias de Luísa Marilac, uma (auto) biografia da celebridade por trás de um dos primeiros vídeos virais do YouTube brasileiro que mostra, para além de sua fama relâmpago, a trajetória de vida de uma mulher que se construiu com muita luta e alegrias também desde de sua tenra idade até os dias em que a fama parecia ter acabado. 

O livro, escrito pela própria Luísa Marilac e pela jornalista ativista Nana Queiroz, já figurou como um best seller à época de seu lançamento. Hoje, além de seus exemplares físicos, pode ser lido por meio da assinatura do Kindle Unlimited

Atenção: É importante alertar que o livro Eu, Travesti contém gatilhos para abuso infantil, tráfico humano, transfobia, violência e morte; pessoas mais sensíveis podem se sentir afetadas por esses temas. 

Os Nascimentos de Luísa

Traída pela natureza, o primeiro nascimento de Luísa foi a forma literal da palavra, nasceu em um corpo que não lhe correspondia, o que não tardou a aparentar em sua infância lhe trazendo os primeiros golpes de cinzel que esculpiriam sua personalidade (e aqui golpes podem se aplicar de uma forma literal também). Seu segundo nascimento agora como Luísa Marilac foi mais consciente em forma; Luísa saiu para mundo da maneira que podia ser Luísa já sabendo que mais golpes a moldariam (e mais uma vez a aplicação do sentido literal pode se fazer presente aqui, bem como a aplicação de alguns litros de silicone industrial). 

Seu terceiro nascimento não é bem de si própria, e sim de uma versão híbrida de sua persona com a da outra autora, Nana Queiroz. Por uma aposta da vida, Marilac e Queiroz acabam desenvolvendo uma amizade entre um mundo privilegiado e aquele que vive à margem deste. Dessa ligação, nasce a narrativa que se apresenta com toda a realidade crua e detalhada da vivência de Luísa com a leveza emocional dos escritos de Nana, trazendo para essa narrativa uma singularidade que cativa e espanta ao mesmo tempo. 

A Família Marilac

De uma família monoparental, Luísa teve como figura paterna seu avô materno (uma vez que seu pai biológico sequer lhe foi apresentado), José Lopes, que foi a fonte de carinho e amor, mesmo sendo um homem simples com capa de durão, durante seu primeiro nascimento. De receber carinho, para dar carinho, Luísa cuidou de sua irmã, Alice, por quem caiu de amores desde o seu nascimento (sendo estas umas das passagens mais carinhosas do livro, capaz de arrancar umas boas lágrimas do leitor). 

As figuras maternas de Luísa são complementarmente opostas. Sua mãe biológica é sempre muito dura e ríspida, com alguns toques de cinismo mal disfarçados que causam revolta. Já sua mãe de coração, de quem veio seu nome, é de uma generosidade e um afeto tão natural quanto acolhedor. Sem dúvida, essas duas personalidades opostas formaram o caráter de Luísa com as suas respectivas faltas e presenças. 

Como a família de uma pessoa LGBTQIAP+ não é só formada por laços sanguíneos, as amigas de Luísa não podem ser deixadas de fora. Muitas delas citadas no livro Eu, Travesti, infelizmente, não se encontram com vida, mas enquanto viveram foram amadas e cuidadas por Luísa, sendo incorporadas pouco a pouco dentro da própria Luísa, como Jesse, que a inspirou ser a quem é, e Micaela, uma filha que Luísa teve um breve espaço de tempo. 

O Amor e o Sexo

eu, travesti

Esses dois conceitos podem parecer interligados para relações românticas afetivas; mas para travestis e transgêneros o sexo acaba como uma opção de ferramenta de trabalho e o amor, que muitas vezes é negado dentro de casa, acaba tomando formas perigosas. Não foi diferente para Luísa, habituada ao sexo (mesmo que em sua face violenta), fez dele seu ganha pão em boa parte 

da sua vida, uma vez que as opções de outros empregos nem existiam, principalmente na cidade pequena onde nasceu. 

Foi pelo sexo que ela conquistou sua liberdade e seguiu sua vida, conhecendo até novos lugares (ainda de que de forma violenta). Por ele também, que Luísa conheceu seus amores, como mais uma vez não é dada às travestis as oportunidades de formas romanceadas de demonstrações de afeto, esse vem depois do sexo. 

Sem parâmetros de relacionamentos saudáveis e com uma vida de abusos nas costas, Luísa teve alguns relacionamentos que mais pareciam tirar dela do que ser uma troca mútua. A história do italiano que levou à criação involuntária do vídeo que estourou Luísa para o mundo é de deixar qualquer um descrente no amor tal a covardia do cidadão. No fundo, o amor é um reflexo do que cada um teve como referência dentro de sua vivência. 

Conclusão da Resenha do livro Eu, Travesti

Mais que uma narrativa de uma história de vida, o livro Eu, Travesti questiona o leitor a todo momento. O questiona sobre suas crenças e os preconceitos que ele tem ou fingir não ter; de forma assertiva às vezes, mas sem perder o seu caráter pessoal e leve de uma troca de confidências entre amigos, que se torna por vezes emocionante; por outras, cômica. 

Luísa Marilac é uma sobrevivente, uma mulher forte e amorosa que trilhou seu próprio caminho com sabedoria apesar de todas as adversidades que nele se fizeram sentir. Sua voz hoje é a voz de Jesse, Carina, Lizandra, Adrielly, Micaela, Thalya e tantas outras travestis que não tiveram tempo, nem oportunidade de serem ouvidas. E sua resistência é tanta que apenas de curtir uns bons drinks à beira da piscina já uma vitória e um grito contra uma violência que nem a considera um ser com direito a vida.

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