O Gato que Amava Livros, do autor japonês Sosuke Natsukawa, é um livro que, à primeira vista, parece ser um conto encantador sobre a importância da leitura e o poder transformador dos livros. A capa delicada, o título simpático e a promessa de uma aventura com um gato falante dentro de uma livraria seduzem os amantes da literatura e dos felinos.
No entanto, por trás da aparência de fábula reconfortante, a obra provoca uma discussão acalorada nas redes literárias. Seria essa uma ode à literatura ou um manifesto elitista disfarçado de fantasia juvenil? Seria uma carta de amor aos livros ou uma crítica velada a certos leitores?
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Quem é quem: personagens principais
Antes de mergulharmos nos labirintos e nas reflexões propostas pelo livro, vale conhecer os personagens centrais que conduzem essa história. São eles que dão forma às ideias do autor, representando tanto afetos quanto críticas, e cada um cumpre um papel simbólico dentro da jornada de Rintaro.
Rintaro Natsuki: o protagonista, é um adolescente introvertido e recluso que acaba de perder o avô (figura paterna e dono de uma pequena livraria de usados). Acostumado a viver entre livros e silêncios, Rintaro se vê diante da difícil tarefa de lidar com o luto e, ao mesmo tempo, decidir o futuro da livraria herdada.
Tigre: Ele é um gato falante misterioso que aparece na livraria de Rintaro logo após a morte do avô do protagonista. Apesar de ser o personagem-título, Tigre atua mais como um guia ou mentor, conduzindo Rintaro pelos labirintos que simbolizam diferentes distorções da relação humana com os livros. Misterioso, eloquente e exigente, ele convida Rintaro a embarcar numa missão para “salvar os livros”. Apesar de dar nome ao título da obra, o gato é uma espécie de guia e não chega a ser o verdadeiro protagonista, o que pode causar certa frustração em quem espera um papel mais ativo ou carismático por parte do felino.
Sayo Yuzuki: colega de escola de Rintaro, é quem quebra um pouco da bolha em que ele vive. Apesar de aparecer pouco, ela representa a ponte entre o mundo exterior e o universo literário onde Rintaro se refugiou.
Os quatro labirintos e suas metáforas
A história se desenvolve em quatro labirintos simbólicos, nos quais Rintaro enfrenta personagens que representam posturas nocivas à literatura. Cada labirinto exige que Rintaro dialogue, questione e, de alguma forma, proponha um caminho alternativo. A leitura, neste contexto, aparece como ferramenta de empatia, reflexão e resistência.
Labirinto da pressa
No primeiro labirinto, Rintaro encontra um homem que lê compulsivamente, sem atenção ou profundidade. O homem também mantém os livros enjaulados em estantes de vidro, como se fossem relíquias a serem admiradas, mas nunca tocadas. Esse personagem representa um tipo de leitor (ou colecionador) que valoriza mais a aparência do livro do que sua essência. É a crítica ao culto da estética em detrimento da leitura real. Nesse cenário, os livros estão presos (não fisicamente, mas espiritualmente), impedidos de cumprir sua missão: serem lidos, interpretados, vividos.
Labirinto do utilitarismo
No segundo labirinto, a crítica recai sobre a leitura superficial. O antagonista da vez foca em transformar obras complexas em resumos rápidos e de fácil digestão. O autor parece condenar a cultura da leitura dinâmica, dos resumos escolares e da busca por atalhos.
Labirinto do lucro
O terceiro labirinto talvez seja o mais polêmico. Ele apresenta um editor que publica apenas livros comerciais, vazios de conteúdo, pensados unicamente para gerar lucro. A crítica se volta ao mercado editorial, às obras criadas em série e à literatura de consumo rápido. A leitura é clara: livros com grande apelo popular estariam esvaziados de sentido. A intenção pode ter sido denunciar o excesso de obras superficiais, mas também trata a literatura atual como “baixa literatura”.
Último labirinto
Diferente dos labirintos anteriores, o quarto desafio é pessoal. Rintaro precisa salvar Sayo Yuzuki, sua colega de escola, que foi sequestrada. Ao enfrentá-lo, ele não apenas põe em prática tudo o que aprendeu, mas também entende que suas palavras impactaram os três personagens anteriores. Eles mudaram, e ele também.
Pontos positivos
- Reflexões importantes sobre a relação contemporânea com os livros: O livro toca em pontos delicados da cultura literária atual — o consumo por status, a desvalorização dos clássicos, a superficialidade das leituras dinâmicas.
- Tom de fábula e atmosfera mágica: A construção dos labirintos lembra Alice no País das Maravilhas, com personagens exagerados que encarnam ideias, mais do que pessoas reais.
- Leitura rápida e acessível: Com 240 páginas, capítulos curtos e linguagem simples, a obra é ideal para iniciantes ou para quem deseja algo leve, quase como um conto estendido.
Pontos fracos e controvérsias
- Linguagem infantilizada: Apesar de abordar temas sérios, a narrativa é bastante simplificada. A jornada de Rintaro se aproxima mais de um livro infantojuvenil do que de uma obra para adultos. Para leitores mais experientes, pode parecer rasa e didática demais.
- O gato não tem protagonismo real: Apesar de ser o título da obra, o gato é quase uma alegoria. Afinal, ele aparece, instiga, orienta… e some. Quem espera um personagem felino marcante como o Cheshire de Alice ou o Behemoth de O Mestre e Margarida pode se decepcionar.
- Didatismo forçado: A cada labirinto, uma lição. E embora isso funcione como metáfora, o excesso de moralismo enfraquece o impacto literário. Em vez de sugerir, o livro frequentemente “explica”.
Uma obra de literatura de cura?
Sim, O Gato que Amava Livros pode ser interpretado como parte da chamada literatura de cura (healing literature) — um gênero comum na ficção oriental recente, voltado à reconciliação emocional, ao autoconhecimento e à transformação suave. O luto do protagonista, sua timidez e a jornada simbólica são ingredientes típicos desse estilo.
O problema é que, ao mirar em todos os públicos (jovens, leitores literários, fãs de gatos, amantes de clássicos), o livro acaba não se aprofundando em nenhum. Ele consola, mas não marca. Reflete, mas não desafia.
E o papel do gato?
Por fim, vale o questionamento: o gato realmente amava livros? Ou era apenas uma ferramenta narrativa?
O felino serve como “gatilho” para a ação, mas não tem desenvolvimento próprio, nem arco emocional. Seu amor pelos livros é assumido, mas nunca explorado em profundidade. Em um livro cujo título promete uma história sobre esse personagem, sua função secundária decepciona um pouco — especialmente para leitores atraídos por histórias com gatos como protagonistas (o que, sejamos honestos, é um nicho real e apaixonado).
Conclusão: vale a leitura?
Se você busca uma história leve, com metáforas simples sobre o amor pelos livros e críticas sutis ao mercado editorial, O Gato que Amava Livros pode agradar. Mas se espera uma narrativa complexa, reflexiva e com personagens inesquecíveis, talvez valha gerenciar as expectativas.
A obra é mais um conto de iniciação à leitura do que um romance maduro. É como um chá morno: reconfortante, mas sem grandes explosões de sabor. E talvez, para alguns leitores, esse tipo de leitura seja exatamente o que estão precisando.
Ficha Técnica da Obra
- Título: O gato que amava livros
- Autor: Sosuke Natsukawa
- Editora: Planeta
- Páginas: 240
- Lançamento da edição: 4 julho 2022