Inês Pedrosa é portuguesa, nascida em 1962 e autora de mais de 14 livros ficcionais, entre eles o incrível romance Nas Tuas Mãos. Diretora da Casa Fernando Pessoa, em Portugal, desde 2008, a escritora ganhou a crítica com o romance “Fazes-me falta”, um diálogo de amor e perda entre um casal que já não pode mais se encontrar dentro da mesma realidade.
No entanto, a obra vencedora do seu primeiro Prêmio Máxima em 1997 é Nas tuas Mãos, pois o livro revela uma escritora que não se limita a questionar somente o desencontro amoroso e sim, os desafios e a evolução da mulher na sociedade portuguesa no século XX.
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O Contexto de Nas Tuas Mãos
O romance é protagonizado por três mulheres e dividido em três partes. Assim, a autora consegue elaborar a personalidade de cada uma com unidade. Jenny, a avó que questiona e vive os conflitos matrimoniais dos anos 30. Camila, a filha revolucionária que condena os horrores da ditadura dos anos 60 e Natália, a filha e neta que sofre com as pressões invisíveis que a pós modernidade traz no final dos anos 80.
É interessante como no livro Nas Tuas Mãos, Inês Pedrosa também usa gêneros diferentes para cada personagem. Jenny se expressa através de seu diário, o símbolo de uma intimidade sem reservas e confidente de segredos intensos da vida da matriarca. Camila vai contar a sua história através de suas fotos, uma maneira de registro de suas passagens por lugares que o olho humano dúvida enxergar e Natália, fruto da solidão moderna, desabafa com a avó através de cartas cheias de tristeza e questionamentos.
As três gerações de mulheres dialogam indiretamente sobre seus medos, conquistas, decepções e, principalmente, suas relações problemáticas com seus parceiros e demais homens de seus convívios.
O Diário de Jenny
A primeira parte do livro Nas Tuas Mãos, intitulado “O diário de Jenny”, mostra a voz da avó Jennifer que descreve com plenitude e verdade sua relação com o marido, Antônio. Porém, o casamento revela nuances que somente o diário sabe. Antônio, na verdade, é homossexual e mantém relações amorosas com Pedro, amigo do casal.
Jennifer aceita ter um casamento de aparências pelo fato de nutrir um amor incondicional por ser marido, apesar de, fisicamente, não ser correspondida. Ela entende que Antonio jamais poderia ter um romance com Pedro pelo preconceito da época e vive com os dois homens no mesmo teto. Jenny explica em seu diário esta relação que a princípio é sofrida, mas que a personagem encara com sabedoria. Ela casa por amor e isso é evidenciada pela maneira consciente que ela o amava, não era outra mulher e sim, outro homem, o que a faz entender as limitações da relação problemática com o companheiro.
“O abandono não é um ato de vontade, mas uma consequência do esquecimento, meu amor. Se amasses outra mulher, o meu orgulho traído encontraria forças para deitar pazadas de terra sobre o buraco escuro do meu peito. Mas o teu amor proibido empurrava-te para o limbo trágico onde o meu amor por ti estava condenado a viver. Nem por um segundo me ocorreu desfazer nosso casamento. No entanto, preciso te dizer que existiu mais do que pura paixão e livre entendimento na minha decisão de permanecer contigo pra sempre”.
Camila, a filha, não é fruto de alguma relação de Jenny e Antônio, mas sim de uma traição de Pedro. Jenny cria a menina com lucidez e vontade e assim, sente preencher seus dias.
Inês Pedrosa não descreve a personagem, mas imagine-se pela organização e sobriedade da escrita que Jennyfer é independente por ter poder de escolha. Suponha-se que ela casou sem o aval da razão por ter aceitado tal condição, mas o que é revelado no diário é que apesar da ausência carnal, seu casamento foi uma escolha consciente e era pleno e feliz.
O Álbum de Camila
A segunda parte do livro Nas Tuas Mãos é a fotobiografia de Camila – “O álbum de Camila”. A filha, diferente da mãe, não vive um casamento duradouro, ela usa sua vida para lutar contra as injustiças que Portugal e suas colônias enfrentavam na Ditadura Salazarista. Seu contexto de vida é o dia a dia de Assembleias do Partido, viagens em prol da Revolução e saudades diante das fotografias. É através da explicação de cada foto que Inês constrói uma personagem que experimenta o mundo político dos homens e questiona sua feminilidade diante de tantas provações. Ela, apesar de corajosa e insistente se vê cansada diante do sofrimento da ditadura e do poder dos homens.
“Os homens do Partido paternalizavam as camaradas, queriam-nas castas e devotadas na retaguarda das atividades masculinas, capazes de cozinhar e remendar calças na sombra doméstica da clandestinidade”.
Cada título de um capítulo refere-se a uma fotografia e Camila explica o contexto em que ela foi tirada, assim, ela redescobre uma vida incomum, pois sua casa era a militância, o que, de certa forma, fere o contato e a conexão com sua filha, Natália, fruto de uma paixão avassaladora com Xavier, moçambicano que lutava contra Salazar na África pela FRELIMO (Frente Libertária de Moçambique), Natália nasce “em África” e, assim como Moacir, Filho de Iracema e Martin (romance de José de Alencar que representa a mistura de povos que compõem o Brasil), revela a miscigenação da Europa no período também das guerras coloniais. Nesse momento, Pedrosa reacende essa visão ampla da guerra não europeizada, apesar de ser portuguesa, pois não nega esse encontro.
Camila, símbolo da revolução que termina nos anos 70, condena de forma passiva a leveza de Jenny e a tolerância de Natália e é possível concluir que a personagem leva ao pé da letra a máxima: “Lugar de mulher é na Revolução” e não a “Lugar de mulher é onde ela quiser”, assim, Pedrosa problematiza também como as próprias mulheres julgam umas às outras.
As Cartas de Natália
A terceira e última parte do livro Nas Tuas Mãos recebe o nome “As cartas de Natália” e o leitor ou a leitora saltam no tempo até chegar nos anos 80, um período em que as pessoas, pela ausência das amarras que foram arrancadas com o fim da ditadura, já não sabem o seu objetivo no mundo e por isso, buscam incessantemente um papel para se firmar.
Assim é Natália, neta de Jenny e filha de Camila. Uma jovem que possui sentimentos ambíguos em relação à mãe, ora orgulho, ora indiferença. Filha de homem negro africano com mulher branca portuguesa, que demora para aceitar sua mistura e é incapaz de obter segurança e amor próprio diante de tanta estranheza com sua origem. Por isso, seus relacionamentos são baseados em duvidar se – de fato – ama ou é amada.
“O mínimo que se pode dizer do meu amor é que ele não ganharia propriamente o Grande Prêmio de Espessura Humana. Eu mereceria melhor, se o amor fosse coisa que se merecesse.”
Por ter uma relação problemática com a mãe, é para a avó que Natália escreve e desabafa, ela espera que Jenny a aconselhe, pois diante de um casamento feliz e uma filha com uma liberdade ímpar, ela consiga explicar com mais precisão suas incertezas. No entanto, Jenny já não é também a mesma, principalmente depois da morte de Antonio. Assim, as cartas possuem um tom de desespero, pois até diante de ser maior oráculo, Natália se vê sozinha.
Natália reclama do excesso de trabalho (é arquiteta e está em um emprego promissor), das conversas problematizadoras sobre racismo, do companheiro que ainda não divide uma vida por completo com ela, enfim, reclama por não conseguir enxergar a vida sem o véu da paciência, o que revela um traço comum desta geração, a do não pertencimento. A vida já não apetece e a procura vira um fardo e não mais um objetivo. Natália conclui que é preciso “pertencer” a algum lugar, mesmo que para isso, ela precise parar de ter respostas da avó. “Todos os erros da Terra se resumem a esta expressão: evitação da vida. Sabemos que a própria vida se encarregará de nos evitar, inexoravelmente, e mesmo assim, escusamo-nos a seguir a particular música do nosso sangue, até o fim”
Conclusão
Inês Pedrosa, em palestra na Bienal de São Paulo no dia 28 de agosto de 2014, descreveu “Nas tuas mãos” como um “romance de valentes” e assim ele é composto, porém não só as três personagens mostram a pura valentia daquelas que viveram intensamente emoções e desilusões, como a sua criadora também deixa marcas fortes através de uma linguagem firme e poética, como é toda mulher que resolve enfrentar sua própria vida.
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