Memórias do Subsolo (1864) é um dos textos mais impactantes de Fiódor Dostoiévski. Apesar de ter apenas 191 páginas, é uma leitura exigente, repleta de contradições, filosofia e ironia. A leitura pode ser um pouco difícil não por sua extensão, mas pela densidade temática e pela linguagem complexa que o autor emprega.
Narrado por um “homem do subsolo”, um personagem amargo, recluso e introspectivo, o livro se divide em duas partes bem distintas: uma teórica, onde o narrador expõe sua visão de mundo, e uma prática, em que ele relata episódios concretos de sua vida que comprovam sua filosofia amarga.
Assim, para compreendê-lo, é essencial ter em mente o contexto histórico em que foi escrito. Na Rússia do século XIX, havia um grande debate entre os que acreditavam que a ciência e a razão poderiam organizar a vida humana e aqueles que, como Dostoiévski, viam na fé, no sofrimento e no livre-arbítrio a essência do ser humano. É dentro dessa tensão que nasce o “homem do subsolo”.
Dessa forma, esta resenha de Memórias do Subsolo mostra por que o livro de Dostoiévski é tão impactante e desafiador. Ainda que breve, seu teor altamente filosófico e sua carga emocional o tornam uma leitura intensa e exigente.
Primeira Parte: O Subsolo – A Teoria
Na primeira parte, intitulada O Subsolo: A Teoria, o narrador se apresenta como um homem ressentido, isolado e em luta constante consigo mesmo. Aqui, Dostoiévski confronta o racionalismo e o otimismo da época, defendendo que o homem não é uma máquina previsível. Pelo contrário, há nele um impulso irracional que encontra prazer no sofrimento e que se afirma por meio do livre-arbítrio, mesmo que seja para escolher o pior caminho.
Essa crítica também envolve a dimensão religiosa: sem transcendência, o homem mergulha em contradições e destrói a si próprio. Ou seja, a obra é uma rejeição frontal ao cientificismo que dominava o pensamento europeu, e que acreditava na matemática e no progresso como forças capazes de explicar toda a experiência humana.
Segunda Parte: A Propósito da Neve Derretida – A Prática
Na segunda parte, A Propósito da Neve Derretida, o tom muda. O narrador passa a contar episódios de sua vida. Ele tenta se inserir na sociedade, ser respeitado pelos colegas, reconquistar dignidade e até mesmo amar, como no encontro com Lisa, uma jovem prostituta que poderia representar uma chance de redenção.
Mas tudo termina em fracasso. O homem do subsolo sabota cada oportunidade, sempre preso ao orgulho e ao ressentimento. Ele não consegue amar, tampouco viver em sociedade, provando na prática as teses amargas que expôs na primeira parte. Essa é a força da obra: transformar filosofia em carne e osso, mostrando um ser humano contraditório até o limite.
Importância literária
Memórias do Subsolo é considerado um dos primeiros romances existencialistas, um verdadeiro precursor do movimento que influenciaria autores como Sartre e Camus. Seu retrato cru da liberdade humana e do absurdo – o homem que, mesmo sabendo o que é certo, escolhe o que é pior, apenas para afirmar sua autonomia – é uma das maiores contribuições de Dostoiévski para a literatura russa e universal.
Além de ser considerado um dos primeiros romances existencialistas, Memórias do Subsolo é destaque como uma das cinco grandes obras de Dostoiévski, ao lado de Crime e Castigo, O Idiota, Os Demônios e Os Irmãos Karamázov. Essa posição de destaque se deve à intensidade filosófica do texto e à profundidade psicológica do narrador.
Contexto Biográfico
Em termos biográficos, o livro Memórias do Subsolo foi escrito num período particularmente sombrio da vida de Dostoiévski: a saúde de sua primeira esposa, Maria Dmitriévna, se deteriorava devido à tuberculose, e ambos enfrentavam graves dificuldades financeiras. Pouco depois do lançamento, ele perdeu também seu irmão Mikhail. O tom sombriamente lírico da narrativa e sua atmosfera pessimista refletem esse luto e a sensação de desamparo que rondavam o autor na época.
Antes disso, Dostoiévski passou cerca de dez anos em exílio na Sibéria, inicialmente arrastado para um campo de trabalhos forçados no sistema katorga, seguidos por serviço militar obrigatório. Assim, essa experiência modelou profundamente sua visão de mundo, especialmente no que diz respeito ao sofrimento humano, à moralidade e à dignidade, temas centrais em Memórias do Subsolo.
Quem quiser conhecer mais sobre a trajetória do autor e outras de suas obras pode conferir nossa análise completa de Fiódor Dostoiévski e seus principais livros.
Conclusão e avaliação
Essa resenha de Memórias do Subsolo mostra como a obra é claustrofóbica, perturbadora e, ao mesmo tempo, essencial. É uma livro que exige paciência, atenção e, muitas vezes, releitura. Ao mesmo tempo, oferece uma experiência intelectual única, capaz de provocar reflexões profundas sobre a liberdade, a dor e o absurdo da condição humana.
Ficha Técnica da obra
- Título: Memórias do Subsolo
- Autor: Fiódor Dostoiévski
- Tradutora: Rhamyra Toledo
- Editora: Excelsior
- Edição: 1ª (Capa dura)
- Data de publicação: 5 de julho de 2021
- Idioma: Português
- Número de páginas: 191
Perguntas Frequentes Sobre Memórias do Subsolo (FAQ)
Gostou da nossa resenha de Memórias do Subsolo? Escreva a sua experiência com a obra abaixo!